Nas pistas dos bailes da saudade, as damas e os cavalheiros com mais de 60 anos podem, ao mesmo tempo, experimentar um veneno e um santo remédio para seus corações: a dança.
Os passos embalados por valsa, bolero ou samba-rock conquistaram a atenção dos cardiologistas. Desde 2004, a dança frequenta os centros de reabilitação como opção terapêutica para infartados e vítimas de acidente vascular cerebral recuperarem a plena forma. Os resultados têm sido muito bons, superiores a qualquer outro tipo de exercício, mas uma preocupação com possíveis danos acarretados pelas coreografias foi lançada no último congresso brasileiro de cardiologia.
“A cautela não é difícil de entender”, afirmou Tales de Carvalho, especializado em medicina esportiva e um dos principais defensores da dança como terapia para o coração, durante sua apresentação no congresso realizado em outubro em Belo Horizonte. “Se já constatamos que a dança de salão pode elevar a freqüência cardíaca da mesma forma que uma corrida em velocidade moderada, isso pode ser um perigo para um sedentário, que tem uma dieta ruim e decide dançar muito, depois de beber uma ou outra dose alcoólica”.
O conceito é simples. Da mesma forma que as pessoas já aprenderam a reconhecer que o futebol esporádico - aquele jogado uma vez por ano só na final de campeonato do time da empresa - pode ser prejudicial ao sistema cardiovascular, Tales de Carvalho acredita que uma consciência parecida precisa existir no caso da dança.
“Ninguém tem dúvida que o principal inimigo do coração é o sedentarismo e qualquer atividade é melhor do que nenhuma. Mas também é importante que as pessoas tenham noção sobre quais são as situações de risco para o coração”, afirma o médico.
Enfrentar horas de dança sem preparo deve parecer tão ilógico quanto encarar uma corrida de 10 quilômetros sem treinar. Se além de mexer o corpo – depois de tempos de inatividade física – outros fatores de risco estiverem associados, como fumo e álcool, o perigo é redobrado.
O cardiologista do Instituto do Coração, Rui Ramos, que pesquisa os infartos em pessoas jovens, coloca o esforço físico extremo como uma das conseqüências cardíacas ruins trazidas pelo uso de cocaína ou ecstasy nas festas que varam a madrugada. As drogas, sem a companhia da dança, já potencializam as panes no coração – e estão relacionadas em 30% dos infartos em pessoas com menos de 40. Estes efeitos negativos podem ser acelerados pelo esforço físico demasiado, uma das sequelas dos tóxicos estimulantes.
O lado bom
Entre os cardiologistas, a dança então só fica contraindicada para sedentários que resolvem arriscar os passos e tirar o atraso em um único dia e também para usuários de drogas pesadas. Para todos os outros, incluindo aqueles que não sabem como abandonar o sedentarismo, o bailado é uma ótima opção.
Segundo pesquisa feita pelo cardiologista Romualdo Belardinelli, professor de cardiologia da Università Politecnica delle Marche e diretor da reabilitação cardíaca do Instituto do Coração Lancisi, em Ancona, na Itália, até mesmo a valsa já pode trazer benefícios.
Ele estudou 107 homens com insuficiência cardíaca, dividido em três grupos. Um deles fez exercícios aeróbicos, com bicicleta e aeróbica. O outro dançou valsa, alternando velocidade lenta e rápida, durante 21 minutos. A terceira turma não fez nada. A recuperação dos batimentos cardíacos depois de oito semanas foi semelhante nos grupos que fizeram ginástica e dançaram valsa, com a vantagem da dança, como definiu Tales de Carvalho em seu artigo no jornal da Sociedade Brasileira de Cardiologia, ser lúdica. “Acreditamos que a vantagem da dança decorreria, não de aspectos objetivos, mas, principalmente, do aspecto lúdico e prazeroso por ela proporcionado, o que poderia contribuir para um ganho adicional da qualidade de vida”, escreveu.
Boa para tudo
José Sanches, aposentado e com quase 84 anos completos, sabe dos benefícios que as coreografias podem trazer. Depois de passar no médico e ter autorização para frequentar os bailes, ele viu o bolero ajudar na recuperação das dores nas costas e pernas, “de forma muito mais gostosa do que a fisioterapia”. O coração dele também foi afetado. Circulando pelas pistas, José conheceu Antonieta, 62 anos, hoje a “dona” de seus batimentos cardíacos.
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