Fonte: Uol.Com.br
Se as provas olímpicas femininas de natação ainda fossem baseadas nos costumes de 1890, as mulheres competiriam com collants inteiriços, shorts e vestidos curtos. Em 1907, porém, a estrela de cinema e atleta, Annette Kellerman, apareceu em uma praia usando uma “peça única” e mudando radicalmente a história dos maiôs. Talvez, sem ela, as mulheres ainda poderiam estar afundando como pedras na água. No mínimo, não estariam quebrando tantos recordes como ocorre atualmente. Na época, Kellerman chegou até mesmo a ser presa em função dos problemas que causou.
Por volta de 1970, porém, os nadadores passaram a acreditar que, reduzindo-se o material dos maiôs eles nadariam mais rápido. Foi a época em que apareceram as sungas masculinas. Já atualmente os maiôs estão novamente voltando às peças inteiras que cobrem praticamente todo o corpo – e mostram-se mais eficazes do que o próprio corpo do atleta.
Nos dias de hoje, os nadadores não ganham mais uma prova com uma piscina de vantagem e sim com apenas centésimos de segundos. Nos Jogos Olímpicos de Pequim, por exemplo, Michael Phelps ganhou de Milorad Cavid nos 100 m borboleta com uma diferença de apenas 0.01 segundos.
Os fabricantes estão mudando os materiais e formas, assim como estão trabalhando mais perto de cientistas que conhecem a dinâmica dos fluidos, a fim de tentar suprir essa preciosidade que é um “centésimo de segundo” na natação. As roupas agora são confeccionadas com muita tecnologia e moldadas em computadores. Mas no fim das contas, é difícil dizer o que faz realmente a diferença: a roupa, a pele, o treinamento ou a chance.
Quando a água trabalha contra você
Se você já tentou atravessar uma piscina e se viu extremamente ofegante, sabe o quanto é difícil nadar rápido. O que torna isso tão difícil? “A água com suas forças invisíveis o forçam para baixo”, diz Stephen Wilkinson, engenheiro de fluido mecânico da NASA. Essa quantidade enorme de fluidos que o empurram contra o próprio movimento é coletivamente chamada de resistência.
A força que o empurra de volta é chamada de pressão de resistência. Quanto mais você empurra pra frente, mais a água te empurra para trás. Se você não é nadador, pode já ter sentido esse tipo de resistência ao colocar o braço para fora da janela do carro, com a palma da mão voltada para o vento. O vento empurra sua mão para trás.
Ainda maior será a resistência se você nadar na superfície, ao contrário de nadar bem embaixo da água. Na superfície você desloca mais água que, por sua vez, acaba formando ondas na sua frente. “A todo o momento você tentará estar à frente da onda, mas em função de problemas físicos, não conseguirá – não é possível ser mais rápido do que a onda”, diz Wilkinson. A parede de água criada, chamada de “resistência da onda”, adiciona pressão empurrando você de volta. Quanto menos você flutuar, maior será a parede, e pior será o tamanho da resistência da onda.
Uma fraca, porém, misteriosa força é a resistência de fricção sobre a pele. Quando você nada, gotas de água “grudam” no seu corpo e movem-se com você. Essa remanescência de água presa a você, deixa-o mais lento. Ainda pior é o redemoinho que isso tudo cria ao lado de seu corpo. Esses redemoinhos o deixam ainda mais lento. A resistência aumenta com a quantidade de superfície que está em contato com a água e com a quantidade de gotas d´água presa em você.
Se a superfície for do tipo “encrespada” (como o mar), um tipo de resistência que Wilkinson chama de resistência encapelada o deixa ainda mais lento. É difícil passar os dedos sobre um tapete com pelos altos e é difícil o vento passar entre árvores. Da mesma maneira, é difícil para a água passar pelos pelos de seu corpo. A água se agarra em você e diminui a velocidade de suas braçadas.
Parece uma batalha perdida. Quanto mais rápido você nada, maior é o aumento da resistência. Como fazem então, os rápidos nadadores?
Você pode diminuir a pressão controlando a maneira como apresenta a si mesmo na água, diz o engenheiro da NASA, Wilkinson. É a sua superfície vertical (perpendicular à sua nadada) que empurra a água. Se você mergulhar, por exemplo, mantenha o seu corpo em uma linha horizontal assim como quando nada, e não permita que suas pernas afundem – dessa maneira você reduzirá bastante a resistência. A água o empurrará somente na cabeça, ombros, pontas dos dedos e pés.
Você pode cortar um pouco da resistência da onda com um mergulho. “Você já deve ter reparado que quando os nadadores saltam de um bloco, eles passam boa parte do tempo embaixo da água”, diz Wilkinson. “Embaixo da água eles enfrentam muito menos resistência, porque não existem ondas como na superfície. Então eles tentam ir o mais longe possível embaixo da água, até que, em função do fôlego, precisam subir”. Uma vez que você subiu, quanto mais alto você flutuar na água, menos ondas serão formadas em torno de você. “Naturalmente, nadadores talentosos flutuam com mais facilidade”, diz Jeremy Kipp, assistente técnico de natação da University of Southern California.
Além disso, depile-se. Ao eliminar os pelos do corpo a água deslizará mais fácil por você, sem tanta resistência (a não ser que você seja o Mark Spitz – o nadador ganhou sete medalhas de ouro olímpicas com bigode e tudo).
É claro, estar em forma também é fundamental. Músculos abdominais fortes o ajudarão a manter-se flutuando reto sobre a água, diz Kipp. Com um tronco forte, você pode ter menos preocupações com a resistência, que será compensada com nadadas mais velozes.
Mas se a sua técnica e seu corpo estão em forma, e mesmo assim você ainda quer nadar mais rápido, talvez seja o caso de considerar um maiô mais apropriado.
A era do maiô rápido
O conceito de “roupa rápida” nos leva a questionar algumas hipóteses. Primeiramente, assume-se que tal maiô pode não somente vestir o nadador sem acrescentar a resistência da roupa, como também é capaz de diminuir a resistência encontrada na água. Em segundo lugar, assume-se que essa tecnologia aplicada à roupa do nadador reduz a resistência permitindo que o mesmo nade mais rápido, sem que precise para isso de mais energia ou oxigênio.
A Federação Internacional de Natação (FINA) aprovou o primeiro maiô inteiro (full-body suit) para redução de resistência no ano 2000, durante as provas classificatórias para as Olimpíadas [fonte: Longman]. Os nadadores usaram vários modelos desse tipo de maiô nos Jogos Olímpicos de 2000 e 2004, culminando com o LZR Racer da Speedo, em 2008. De acordo com a Speedo, esse é o maiô mais rápido existente no mercado.
O maiô, fruto de muita pesquisa, é feito com diversos materiais de alta tecnologia. As costuras são soldadas com ultra-som. Além disso, a roupa repele a água e seu formato anatômico cria uma espécie de apoio para manter o nadador em melhor posição dentro da água, sem perder a liberdade e flexibilidade de seus movimentos, diz Jason Rance, um dos designers que ajudou a pesquisar e criar o maiô. Soldar as costuras reduz em cerca de 6% a resistência, ao compararmos com o ato de costurá-las, diz Rance.
E não foi apenas com o material que a Speedo se preocupou, mas também com o nadador. Nadadores não são construídos como “torpedos”, mas apesar de fortes, possuem corpos de “humanos”. Suas curvas e músculos criam resistência, o que é ainda pior do que a fricção da roupa. A Speedo procurou tirar essa resistência criada pelo próprio corpo do nadador ao bolar um maiô extremamente colado ao corpo, diz Rance.
A Speedo testou ainda a oxigenação dos nadadores, particularmente para saber se uma roupa tão colada não faria tanta compressão a ponto de não permitir ao nadador respirar efetivamente, diz Rance. A empresa chegou ao resultado de que os nadadores conseguem sim respirar naturalmente dentro do maiô.
O LZR Racer também utiliza o que a Speedo costuma chamar de “estabilizador central” – espécie de cinta onde o material é duplicado. Os nadadores usam seus próprios músculos para encontrar a postura na água que faça com que flutuem da melhor maneira possível, diz o técnico Kipp. “O estabilizador o ajudará a encontrar o balanço mais fácil”, diz ele. O estabilizador também mantém o músculo abdominal do nadador sempre contraído em provas de longa distância – mesmo após aqueles 2 ou 3 minutos em que o músculo se esgota.
Pele de tubarão está fora: Apesar do Fastskin e do Fastskin FS-II da Speedo terem sido feitos a partir de pele de tubarão, o LZR Racer não foi. Os maiôs antigos, como os feitos com determinas peles de tubarão, eram confeccionados com minúsculas rugas que aumentavam a camada exterior dos mesmos [fonte: Wilkinson]. A Speedo constatou que quanto mais lisos fossem os maiôs, maior seria a redução da resistência, disse Rance.
Apesar de grande e cobrir boa parte do corpo do nadador, o LZR Racer é bastante leve – pesa cerca de 100 g por metro quadrado (quatro vezes menos do que os materiais até então utilizados em maiôs) [fonte: Rance]. O material utilizado (elastano – spandex) também é feito a partir de uma substância que repele a água e não a retém de forma alguma, deixando-o ainda mais leve. Rance enfatiza ainda que o maiô não aumenta o poder de flutuação do nadador, mas também não o deixa afundar.
Durante a realização de uma série de testes, nadadores participaram de provas “simuladas” com e sem o LZR Racer. “Eles nadaram 4% mais rápidos e gastaram 5% menos oxigênio com o LZR Racer”, disse Rance. Presume-se então que eles não nadaram mais rápido porque estavam mais treinados e sim porque o LZR Racer realmente reduz a resistência.
Será que os maiôs fazem mesmo a grande diferença?
Algo estranho aconteceu com os recordes da natação em 2008. Joel Stager, professor de cinesiologia da Indiana University, em Bloomington, apresentou as estatísticas de um estudo realizado baseado em todos os recordes mundiais desde 1970. O número de recordes quebrados bem com os tempos dos recordes cresceu em uma curva normal, dentro do esperado.
Em 2008, porém, a curva aumentou fora do padrão. Mais de 40 recordes foram quebrados em 2008, o dobro da média dos últimos 30 anos. O homem mais rápido na prova de 100 m nado livre nos Jogos Olímpicos de Pequim nadou em média, cerca de quatro vezes mais veloz do que era esperado.
Os nadadores quebraram muito mais recordes entre fevereiro e março de 2008 do que durante esses mesmos meses nos últimos 30 anos. Vale dizer que a Speedo introduziu o LZR Racer no mercado em fevereiro de 2008.
“Os técnicos estão melhores. Há mais vídeos para feedback. Porém, o maiô é o que realmente mudou de lá para cá”, disse Kipp.
Já Jason Rance, da Speedo, cita ainda melhoramentos nos métodos de treinamento, como treinar em condições adversas de altitude, maior número de centros especializados dedicados ao treinamento e nadadores que passam o dia inteiro treinando. “É uma combinação de fatores, no qual o LZR Racer é um deles”, diz Rance.
Stager apresentou um estudo de caso feito no Japão. Em abril de 2008, durante as provas classificatórias para as Olimpíadas, os nadadores não usaram o LZR Racer. Dois meses depois, no Aberto do Japão, os nadadores competiram na mesma piscina, porém usando o LZR Racer. Os nadadores foram significativamente mais rápidos no Aberto do Japão, apesar de imaginarmos que os tempos das classificatórias para o Mundial deveriam ser melhores.
Os dados mostram, porém, não conseguem provar, que o LZR Racer deixa o nadador mais rápido. Além disso, os dados são baseados em nadadores que já eram rápidos antes mesmo da entrada dessa tecnologia.
“O LZR Racer é a cobertura de bolo para atletas que já estão no topo. Ele não me transformará ou você em um grande atleta”, disse Rance. “Nós sempre dizemos às crianças, e mais ainda, aos seus pais, para que foquem no treinamento e no que diz o técnico. Se você não souber o básico da técnica e não souber como treinar, não será o maiô que irá ajudá-lo”.
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