sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Indicações de exercícios físicos para pessoas com esclerose múltipla

Do artigo ‘ Orientação de exercícios físicos para pessoas com esclerose múltipla‘, de Otávio Luis Piva da Cunha Furtado* e Maria da Consolação Gomes Cunha Fernandes Tavares**.
   
  (…)  O conhecimento científico sobre a prática de exercícios físicos por pessoas com EM avançou significativamente nas últimas duas décadas. Nesse período, pesquisadores passaram a considerar a participação de pessoas com EM em programas que envolvessem exercícios em meio aquático, com ciclo ergômetros e com exercícios resistidos. Entretanto, nessa perspectiva, os diferentes tipos de progressão da EM, sua sintomatologia variada e os diferentes graus de incapacidade dificultam a elaboração de guias e padronizações para a orientação de exercícios para essa população. No entanto, os estudos mostram que indivíduos com leve a moderado grau de acometimento podem beneficiar-se com programas de exercícios físicos similares àqueles existentes para a maioria da população, de acordo com as orientações do American College of Sports Medicine (ACSM) (POLLOCK et al, 1998).


     Considerando o crescente número de pesquisas com exercícios físicos para pessoas com EM e sua conseqüente indicação para a promoção de saúde e qualidade de vida dessas pessoas, apresentaremos algumas diretrizes básicas que consideramos pertinentes para a orientação de exercícios físicos para essa população.

    O primeiro passo, antes de iniciar qualquer programa com exercícios físicos para pessoas com EM consiste em compreender o quadro clínico do aluno. Nesse aspecto seu médico deve ser consultado. Esse profissional poderá fornecer informações precisas a cerca do estágio de progressão da doença e das especificidades do quadro clínico atual. Poderá ainda indicar dificuldades e limitações fisiológicas peculiares de cada paciente, o que pode ser fundamental para a determinação de um programa adequado de exercícios. O contato com o médico deve ser mantido para que a constante troca de informações possa permitir intervenções coerentes ao longo do tempo.

     A segunda etapa a considerar é verificar o histórico de atividades físicas e as principais dificuldades decorrentes de incapacidades. Informações sobre a adaptação de exercícios e preferências do indivíduo por alguma atividade específica são valiosas e devem ser registradas. A prática de uma atividade prazerosa pode influenciar favoravelmente na adesão ao programa.

    Por último, destacamos a necessidade de avaliação da função motora. O estabelecimento de parâmetros para avaliação pode ser útil para quantificar a evolução do aluno. Em nossas pesquisas temos adotado o uso de alguns testes simples para avaliação de pessoas com EM. Nesse sentido, manobras simples poderão ajudar a reconhecer locais específicos de fraqueza. Rapidamente, músculos flexores e extensores dos braços, mãos, pernas e pés podem ser testados através de movimentos de “puxar” e “empurrar” contra a mão do examinador. A avaliação da função de membro inferior inclui o teste de caminhada, que consiste na anotação do tempo para um indivíduo percorrer uma distância padronizada de 7,62 metros. Outro teste, como o Timed Up and Go de Podsiadlo e Richardson (1991) também pode ser considerado, consistindo na verificação do tempo decorrido para o indivíduo levantar de uma cadeira, andar três metros, virar, voltar e sentar novamente. Para avaliação da função de membro superior sugerimos o teste Box-and-Block, que consiste na tarefa de transporte de pequenos cubos de madeira com 2,5cm de lado, durante 1 minuto. Esses blocos devem ser conduzidos de uma extremidade a outra de uma caixa separada ao meio, sendo feita a anotação do escore obtido em duas tentativas alternadas, para membro superior esquerdo e direito (MATHIOWETZ et al, 1985).

    A atenção ao progresso da doença é importante para a orientação de exercícios físicos para pessoas com EM. Se houver exacerbação dos sintomas, deve-se interromper o exercício até que ocorra sua completa remissão. Após o retorno, o programa deve ser revisto e adaptado às condições presentes. Essas orientações geralmente são úteis para pessoas com EM recorrente-remitente. Na presença de indivíduos com tipo progressivo, ou seja, sem remissão da doença, a meta do programa deverá ser de simplesmente reduzir a deterioração física e otimizar as funções remanescentes (MULCARE, 1997).
    Considerando as capacidades, limitações e objetivos pessoais de cada indivíduo pode-se estabelecer o programa mais adequado de exercícios físicos. De maneira geral recomenda-se exercícios de volume e intensidade moderada, com sessões em dias intercalados que permitam sua adequada recuperação.

Exercícios aquáticos

    Exercícios aquáticos são apropriados para pessoas com EM. A flutuabilidade e viscosidade, características do meio aquático, reduzem o impacto da gravidade e conferem maior equilíbrio e amplitude de movimento de músculos muito fracos para desempenhar a mesma tarefa em terra. Temperaturas entre 27 e 29° C parecem ser ideais, principalmente para pessoas com sensibilidade ao calor, embora, para algumas pessoas, seja tolerável temperatura até 34°C (PETERSON, 2001). Apesar do efeito desejado de dissipação do calor em meio aquático, temperaturas abaixo de 27° não são recomendadas devido ao risco de aumento da espasticidade (WHITE e DRESSENDORFER, 2004).
    O desenvolvimento das capacidades de força e resistência muscular localizada podem ser alcançados em meio aquático pela participação em aulas conhecidas como hidroginástica ou hidroterapia. Esse tipo de atividade é freqüentemente ofertado por academias de ginástica e natação, consistindo na aplicação de exercícios específicos. O incremento da intensidade do esforço pode ser alcançado com a utilização de aparelhos específicos como caneleiras, coletes e halteres. Já para a melhora do condicionamento aeróbio podem ser administradas sessões de natação, na medida em que essas não signifiquem esforços muito intensos que elevem significativamente a fadiga.

Exercícios aeróbios
    Os programas para desenvolvimento da capacidade aeróbia de pessoas com EM, claramente incorporam as orientações do ACSM (POLLOCK et al, 1998). Nos estudos realizados, basicamente encontra-se a seguinte estrutura:

Freqüência de treinamento: ao menos 3 dias por semana.
Intensidade de treinamento: 65 – 70% da freqüência cardíaca máxima, ou 55-60% do VO2max.
Duração do treinamento: 30 minutos de atividade aeróbica contínua ou intervalada.
Modalidade de treinamento: ciclo ergômetro horizontal ou vertical de pernas e braços.

    Atividades de aquecimento são consideradas importantes, dada a coerência em sua adoção por preparar fisiologicamente o organismo para a tarefa principal. Apontamos como principais as rotinas de alongamento, atividades lúdicas ou mesmo a realização do exercício principal do programa em menor intensidade. Medidas de freqüência cardíaca podem ser úteis para o acompanhamento da intensidade do esforço.

     Para algumas pessoas com mínimo ou nenhum déficit motor pode-se incluir sessões de caminhada ou até mesmo de corrida. Como déficits de equilíbrio e coordenação motora são comuns nessa doença, a definição do método a ser adotado deve levar em consideração as possibilidades e interesses de cada participante.

Exercícios de fortalecimento muscular

    Conforme fora proposto por Petajan e White (1999), a aplicação de exercícios para desenvolvimento da força muscular deverá seguir uma lógica crescente de funcionalidade onde, para aqueles com maior déficit motor sugere-se a aplicação de movimentos passivos, como lentos alongamentos para os principais grupos musculares. Para indivíduos com maior nível de força são indicados alongamentos ativos e exercícios resistidos, com ou sem a ação da gravidade e com número de repetições próximo ao nível da fadiga. Os autores sugerem atividades como Yoga e Tai Chi. Indivíduos com pouco ou nenhum déficit motor poderão seguir programas similares aos propostos para pessoas saudáveis:
Freqüência de treinamento: 2 – 3 sessões semanais.

Volume de treinamento:
8 – 10 exercícios resistidos dinâmicos (isotônicos) que envolvam grandes grupos musculares.
1 – 2 séries.
8 – 12 repetições máximas (repetição máxima é o número máximo de vezes que uma carga pode ser levantada antes da fadiga concêntrica e com execução correta da técnica do exercício)

Modalidade de treinamento: pesquisadores têm utilizado diferentes e eficazes modos de treinamento de força para pessoas com EM – máquinas e pesos livres (KASSER e MCCUBIN, 1996; WHITE et al, 2004), peso corporal contra a ação da gravidade aliado ao uso de coletes com pesos (DEBOLT e MCCUBBIN, 2004) e faixas elásticas com diferentes graduações (Theraband) (ROMBERG et al, 2004).

    Considerando as possibilidades de cada aluno, a progressão de um treinamento para desenvolvimento de força em pessoas com EM pode sofrer grande variação no seu planejamento e progressão. Pessoas com pouco ou nenhum déficit muscular podem necessitar de modelos de periodização que alterem a intensidade e volume de treino ao longo do tempo para otimizar os ganhos de força. Em outros casos, a instalação precoce da fadiga poderá implicar na realização de um volume reduzido de exercícios, porém, configurando-se ainda como um estímulo suficiente para a manutenção ou mesmo o desenvolvimento da força.

    Como em alguns casos há redução na velocidade de resíntese de fosfocreatina de pessoas com EM (KENT-BRAUN et al, 1994a), deve ser permitido um maior tempo de recuperação entre séries e entre exercícios que envolvam grupos musculares similares. Nesse sentido, o contato entre o profissional responsável pela orientação do programa de exercícios e o aluno será importante para a determinação do esforço e do tempo adequado de recuperação.

Exercícios de flexibilidade

    As orientações básicas do ACSM são de que exercícios de flexibilidade sejam incorporados à rotina de exercícios e permitam o desenvolvimento ou manutenção da amplitude de movimento articular. Os exercícios deverão incluir os principais grupos musculares, com freqüência de 2 a 3 vezes por semana (POLLOCK et al, 1998). Para pessoas com espasticidade é recomendado o alongamento antes e após a sessão de exercícios. O alongamento deve ser realizado de maneira lenta e confortável, objetivando a redução do tônus muscular. Cada posição deve ser mantida por 20-60 segundos para máximo benefício (WHITE e DRESSENDORFER, 2004).

Lian Gong e Yoga

    Uma outra possibilidade de exercícios físicos para pessoas com EM são as atividades conhecidas como orientais ou alternativas. Dentre as estudadas para pessoas com essa doença, destacam-se o Lian Gong e Yoga. Tais práticas são caracterizadas por lenta movimentação e manutenção de posturas pré-estabelecidas. Elas podem ser adaptadas conforme a necessidade de cada aluno, através do apoio em cadeira, parede ou mesmo pela realização das tarefas no solo. Dentre os benefícios, destacam-se a sensação de relaxamento, descoberta de novas sensações corporais, (USHIROBIRA, SIVIERO e TAVARES, 2005) e redução da fadiga (OKEN et al, 2005).

Orientações para a prática de exercícios físicos por pessoas com esclerose múltipla

    Baseados em informações contidas nos diversos estudos divulgados na literatura científica e em nossa experiência com a orientação de exercícios físicos para pessoas com EM, exporemos, a seguir, alguns pontos que consideramos relevantes para uma orientação, segura e eficaz, de exercícios físicos para pessoas com EM:
Estabelecer contato com o médico do aluno a fim de obter informações relevantes para a elaboração do programa de exercícios físicos.
Cuidados para controle da fadiga.
Elaborar o programa contemplando a alternância de períodos de esforço e descanso.
Preferir o horário do dia em que o aluno menos sinta os efeitos da fadiga.
Cuidados para evitar o aumento da temperatura corporal.

Algumas estratégias têm sido sugeridas, incluindo o uso de salas climatizadas ou bem ventiladas, a adoção de práticas no período da manhã, hidratação adequada (MULCARE et al 2001) e imersão do corpo em água fria até a cintura, exceto em situação onde possa ocorrer exacerbação da espasticidade (WHITE, WILSON e PETAJAN, 1997).

Cuidados com a espasticidade.

Evitar temperatura em meio aquático, inferior a 27º.

Evitar exercícios com alta velocidade de contração.

Estabelecer o programa de exercícios físicos conforme as preferências do aluno e de acordo com suas capacidades. Em alguns casos, o aluno pode não ser capaz de atingir e manter uma intensidade de esforço suficiente para promover alterações no sistema aeróbio. Nesses casos, a opção por exercícios de fortalecimento muscular pode ser a melhor alternativa.

Facilitar o acesso a sanitários. Pessoas com EM freqüentemente apresentam urgência urinária.
Manter diálogo constante com o aluno. Esse hábito possibilitará ao profissional o reconhecimento do impacto diário da fadiga e, assim, facilitará o dimensionamento da carga e volume de cada sessão de treino.
Embora a prática de atividades em ambiente aquático seja indicada, faz-se necessário evitar temperaturas inferiores a 27°, devido ao risco de exacerbação da espasticidade, e superiores a 29°, pois algumas pessoas apresentam sensibilidade ao calor, podendo ter aumento da fadiga e presença de distúrbios oftalmológicos.
Evitar a prática de exercícios físicos em períodos de surto da doença. Após a recuperação do aluno a atividade poderá ser reiniciada e um novo programa deverá ser estabelecido.

    O resultado de estudos publicados nos últimos anos tem apontado o aspecto salutar da adoção de um estilo de vida ativo por pessoas com EM. Desse modo, esperamos que a mudança do antigo paradigma de conservação de energia facilite às pessoas com EM a exploração e reconhecimento de suas capacidades e potencialidades, possibilitando a melhora de aspectos de sua qualidade de vida e em seu desenvolvimento pessoal. Finalmente, entendemos como fundamental que o profissional de educação física esteja preparado para o desafio de conduzir propostas de exercício físico para essa população, estando alicerçado pelo conhecimento mais recente de sua área e atento aos novos avanços. (…)

* Mestrando – Atividade Física, Adaptação e Saúde (FEF/UNICAMP).
** Médica Fisiatra, Livre-Docente, Professora do Departamento de Estudos da
Atividade Física Adaptada (FEF/UNICAMP).
Fonte: http://www.efdeportes.com/ Revista Digital – Buenos Aires – Año 11 – N° 99 – Agosto de 2006

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