Praticar esportes é saudável? A resposta pode ser negativa, segundo Nuno Cobra, um dos preparadores físicos de maior prestígio no mundo. O exemplo da prática esportiva nociva se baseará no caso hipotético de um advogado de 50 anos, sedentário há 30 e que deseja voltar aos exercícios. Como ele deve proceder? O retorno deve ser paulatino e baseado no que Cobra chama de “equilíbrio de oxigênio”. Se o retorno ao esporte for mal feito, os riscos serão enormes.
“A máquina humana se atrofia com o desuso”, sentencia o profissional responsável pelo condicionamento físico de tantos campeões, entre os quais Ayrton Senna, Gil de Ferran e Mika Hakkinen, no automobilismo, e Jaime Oncins, Cássio Motta e Patrícia Medrado, no tênis. A retomada do uso dessa máquina exige cuidados. Usualmente, personal trainers e professores de academia são adeptos de uma estratégia baseada na “agressão”, termo adotado por Nuno Cobra para descrever situações como esta: “Nosso advogado está correndo no Parque do Ibirapuera com a respiração totalmente descontrolada. O treinador está ao seu lado, aos gritos de ‘vamos lá, seu frouxo’ ou coisa do gênero. Tal trabalho é uma agressão ao organismo, pois cria um débito de oxigênio”.
A conduta defendida por Cobra é totalmente diferente e leva em conta que o advogado em questão passou três décadas parado. “Futuramente, nosso advogado vai correr muito, mas como resultado da melhoria de sua eficiência cardiovascular, mantendo uma frequência cardíaca saudavelmente baixa. É preciso que fique claro que a corrida não será resultado do seu sacrifício, do seu sofrimento – se o for, estará sendo criada uma hipertrofia prematura do miocárdio”, adverte.
Ciente disso, o advogado cinquentão pode ser seu próprio treinador. “A orientação que eu dou ao indivíduo é que comece fazendo caminhadas e notando a respiração, pois a respiração é porta-voz do coração”, sugere Nuno Cobra. “Se a respiração estiver confortável, isso mostra que a pessoa está em equilíbrio de oxigênio, e não em débito de oxigênio. A caminhada tem de ser sistemática e agradável, não pode haver sofrimento”.
A respiração acelerada – portanto, em débito de oxigênio – é responsável por lesões e até mesmo acidentes fatais. É perigoso praticar modalidades esportivas competitivas em tal condição. Conforme explica Cobra, para voltar aos torneios que tanto apreciava aos 20 anos o advogado de 50 precisa antes alcançar o chamado lastro cardiovascular, perdido com a inatividade física, o estresse, o excesso de peso e outros fatores. “Se o nosso advogado for jogar tênis, por exemplo, as corridas em alta velocidade e curtíssimos espaços de tempo lhe causarão pequenos débitos de oxigênio que se acumularão durante a partida, causando um grande débito no final. Com o futebol, acontece a mesma coisa: a alimentação de oxigênio é pequena e o gasto é grande. Se ele não desenvolveu lastro cardiovascular, está sob grande risco”, salienta, e ressalva: “Nosso advogado poderá praticar qualquer esporte competitivo quando conseguir fazê-lo mantendo a frequência cardíaca sob controle”.
Aos adeptos do esporte competitivo exclusivamente aos fins de semana Nuno Cobra não reserva boas palavras. “Praticado uma vez por semana, o esporte representa um risco concreto ao coração”, alerta. O autor de “A Semente da Vitória”, livro que se encontra na 90ª edição, afirma que o adepto de atividade esportiva ocasional não tem seu coração devidamente estruturado. “O sujeito tem de caminhar, equilibrar a circulação sanguínea, a ventilação pulmonar, aumentar o calibre das artérias para, quando for dedicar-se a um esporte competitivo, não ter seu coração tão exigido, tão sacrificado. O espírito da competição esportiva é bom, é uma catarse, ajuda a diminuir o estresse. Mas, se a pessoa não tem base para isso, torna-se perigoso”.
Músculos
Massa muscular abundante e de aspecto definido é sinônimo de beleza pelos padrões atuais. Mas o físico “bombado” não é garantia de boa saúde e, às vezes, nem de força física. Nuno Cobra ressalta a diferença entre a força real, que se obtém por meio da ginástica natural (barras, flexões de braço, abdominais, por exemplo), e a massa muscular excessiva, que se ganha mediante exercícios com peso extra (“puxar ferro”) e outros subterfúgios. “Esses indivíduos com braços e peitos enormes são resultado de um trabalho exagerado e, muitas vezes, acrescido de algum tipo de anabolizante, que vêm sendo, desgraçadamente, muito consumidos nas academias. Seus efeitos colaterais são terríveis: esterilidade, câncer de fígado e de rim e outros problemas”, condena. Além do que, relata Cobra, não fortalecem coisa nenhuma: “Eu realizei uma pesquisa nesse campo e constatei que toda aquela massa não significa força. Muitas vezes você coloca o sujeito numa barra e ele não consegue levantar o próprio corpo”.
A carreira futebolística do craque Ronaldo é exemplo de má aplicação de musculação. As seguidas lesões nos joelhos do Fenômeno não foram fatalidade, e sim decorrência do extraordinário ganho de massa muscular que lhe foi imposto. “O que aconteceu foi que ele era um jogador magrinho, que se deslocava como um raio, e o puseram para fazer musculação artificial, com peso. Deram-lhe uma massa muscular muito grande e um peso enorme. A partir daí, seus deslocamentos acarretaram tamanha sobrecarga que os joelhos não suportaram. As contusões nos joelhos do Ronaldo foram consequência de um trabalho fisicamente errado”, acusa Nuno Cobra.
O caso de Ronaldo Fenômeno, para Cobra, é uma demonstração de que o futebol, em termos de preparação física, é um esporte atrasado. A recente desclassificação da Seleção Brasileira na Copa América confirmaria essa opinião. “Por que o Brasil, cheio de talentos, perdeu a Copa América? Porque numa competição de alto nível não se pode concentrar todas as responsabilidades na figura do técnico. São necessários preparadores físicos que saibam atuar como motivadores, que façam com que os atletas rendam o máximo”. Ele aproveita para comentar o momento atual, em que o país se prepara para sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada: “Se o governo brasileiro tivesse consciência, deixaria de realizar a Copa e usaria o dinheiro par fazer praças, parques, pistas de atletismo. É tudo uma grande incoerência, principalmente quanto à Olimpíada, pois neste país nunca ninguém se preocupou em apoiar os esportes olímpicos”.
*Matéria publicada originalmente no Jornal do Advogado, edição de agosto de 2011
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