Do artigo ‘ Orientação de exercícios físicos para pessoas com esclerose múltipla‘, de Otávio Luis Piva da Cunha Furtado* e Maria da Consolação Gomes Cunha Fernandes Tavares**.
(…) O conhecimento científico sobre a prática de exercícios físicos
por pessoas com EM avançou significativamente nas últimas duas décadas.
Nesse período, pesquisadores passaram a considerar a participação de
pessoas com EM em programas que envolvessem exercícios em meio aquático,
com ciclo ergômetros e com exercícios resistidos. Entretanto, nessa
perspectiva, os diferentes tipos de progressão da EM, sua sintomatologia
variada e os diferentes graus de incapacidade dificultam a elaboração
de guias e padronizações para a orientação de exercícios para essa
população. No entanto, os estudos mostram que indivíduos com leve a
moderado grau de acometimento podem beneficiar-se com programas de
exercícios físicos similares àqueles existentes para a maioria da
população, de acordo com as orientações do American College of Sports
Medicine (ACSM) (POLLOCK et al, 1998).
Considerando o crescente número de pesquisas com exercícios
físicos para pessoas com EM e sua conseqüente indicação para a promoção
de saúde e qualidade de vida dessas pessoas, apresentaremos algumas
diretrizes básicas que consideramos pertinentes para a orientação de
exercícios físicos para essa população.
O primeiro passo, antes de iniciar qualquer programa com
exercícios físicos para pessoas com EM consiste em compreender o quadro
clínico do aluno. Nesse aspecto seu médico deve ser consultado. Esse
profissional poderá fornecer informações precisas a cerca do estágio de
progressão da doença e das especificidades do quadro clínico atual.
Poderá ainda indicar dificuldades e limitações fisiológicas peculiares
de cada paciente, o que pode ser fundamental para a determinação de um
programa adequado de exercícios. O contato com o médico deve ser mantido
para que a constante troca de informações possa permitir intervenções
coerentes ao longo do tempo.
A segunda etapa a considerar é verificar o histórico de
atividades físicas e as principais dificuldades decorrentes de
incapacidades. Informações sobre a adaptação de exercícios e
preferências do indivíduo por alguma atividade específica são valiosas e
devem ser registradas. A prática de uma atividade prazerosa pode
influenciar favoravelmente na adesão ao programa.
Por último, destacamos a necessidade de avaliação da função
motora. O estabelecimento de parâmetros para avaliação pode ser útil
para quantificar a evolução do aluno. Em nossas pesquisas temos adotado o
uso de alguns testes simples para avaliação de pessoas com EM. Nesse
sentido, manobras simples poderão ajudar a reconhecer locais específicos
de fraqueza. Rapidamente, músculos flexores e extensores dos braços,
mãos, pernas e pés podem ser testados através de movimentos de “puxar” e
“empurrar” contra a mão do examinador. A avaliação da função de membro
inferior inclui o teste de caminhada, que consiste na anotação do tempo
para um indivíduo percorrer uma distância padronizada de 7,62 metros.
Outro teste, como o Timed Up and Go de Podsiadlo e Richardson (1991)
também pode ser considerado, consistindo na verificação do tempo
decorrido para o indivíduo levantar de uma cadeira, andar três metros,
virar, voltar e sentar novamente. Para avaliação da função de membro
superior sugerimos o teste Box-and-Block, que consiste na tarefa de
transporte de pequenos cubos de madeira com 2,5cm de lado, durante 1
minuto. Esses blocos devem ser conduzidos de uma extremidade a outra de
uma caixa separada ao meio, sendo feita a anotação do escore obtido em
duas tentativas alternadas, para membro superior esquerdo e direito
(MATHIOWETZ et al, 1985).
A atenção ao progresso da doença é importante para a orientação
de exercícios físicos para pessoas com EM. Se houver exacerbação dos
sintomas, deve-se interromper o exercício até que ocorra sua completa
remissão. Após o retorno, o programa deve ser revisto e adaptado às
condições presentes. Essas orientações geralmente são úteis para pessoas
com EM recorrente-remitente. Na presença de indivíduos com tipo
progressivo, ou seja, sem remissão da doença, a meta do programa deverá
ser de simplesmente reduzir a deterioração física e otimizar as funções
remanescentes (MULCARE, 1997).
Considerando as capacidades, limitações e objetivos pessoais de
cada indivíduo pode-se estabelecer o programa mais adequado de
exercícios físicos. De maneira geral recomenda-se exercícios de volume e
intensidade moderada, com sessões em dias intercalados que permitam sua
adequada recuperação.
Exercícios aquáticos
Exercícios aquáticos são apropriados para pessoas com EM. A
flutuabilidade e viscosidade, características do meio aquático, reduzem o
impacto da gravidade e conferem maior equilíbrio e amplitude de
movimento de músculos muito fracos para desempenhar a mesma tarefa em
terra. Temperaturas entre 27 e 29° C parecem ser ideais, principalmente
para pessoas com sensibilidade ao calor, embora, para algumas pessoas,
seja tolerável temperatura até 34°C (PETERSON, 2001). Apesar do efeito
desejado de dissipação do calor em meio aquático, temperaturas abaixo de
27° não são recomendadas devido ao risco de aumento da espasticidade
(WHITE e DRESSENDORFER, 2004).
O desenvolvimento das capacidades de força e resistência muscular
localizada podem ser alcançados em meio aquático pela participação em
aulas conhecidas como hidroginástica ou hidroterapia. Esse tipo de
atividade é freqüentemente ofertado por academias de ginástica e
natação, consistindo na aplicação de exercícios específicos. O
incremento da intensidade do esforço pode ser alcançado com a utilização
de aparelhos específicos como caneleiras, coletes e halteres. Já para a
melhora do condicionamento aeróbio podem ser administradas sessões de
natação, na medida em que essas não signifiquem esforços muito intensos
que elevem significativamente a fadiga.
Exercícios aeróbios
Os programas para desenvolvimento da capacidade aeróbia de
pessoas com EM, claramente incorporam as orientações do ACSM (POLLOCK et
al, 1998). Nos estudos realizados, basicamente encontra-se a seguinte
estrutura:
Freqüência de treinamento: ao menos 3 dias por semana.
Intensidade de treinamento: 65 – 70% da freqüência cardíaca máxima, ou 55-60% do VO2max.
Duração do treinamento: 30 minutos de atividade aeróbica contínua ou intervalada.
Modalidade de treinamento: ciclo ergômetro horizontal ou vertical de pernas e braços.
Atividades de aquecimento são consideradas importantes, dada a
coerência em sua adoção por preparar fisiologicamente o organismo para a
tarefa principal. Apontamos como principais as rotinas de alongamento,
atividades lúdicas ou mesmo a realização do exercício principal do
programa em menor intensidade. Medidas de freqüência cardíaca podem ser
úteis para o acompanhamento da intensidade do esforço.
Para algumas pessoas com mínimo ou nenhum déficit motor pode-se
incluir sessões de caminhada ou até mesmo de corrida. Como déficits de
equilíbrio e coordenação motora são comuns nessa doença, a definição do
método a ser adotado deve levar em consideração as possibilidades e
interesses de cada participante.
Exercícios de fortalecimento muscular
Conforme fora proposto por Petajan e White (1999), a aplicação de
exercícios para desenvolvimento da força muscular deverá seguir uma
lógica crescente de funcionalidade onde, para aqueles com maior déficit
motor sugere-se a aplicação de movimentos passivos, como lentos
alongamentos para os principais grupos musculares. Para indivíduos com
maior nível de força são indicados alongamentos ativos e exercícios
resistidos, com ou sem a ação da gravidade e com número de repetições
próximo ao nível da fadiga. Os autores sugerem atividades como Yoga e
Tai Chi. Indivíduos com pouco ou nenhum déficit motor poderão seguir
programas similares aos propostos para pessoas saudáveis:
Freqüência de treinamento: 2 – 3 sessões semanais.
Volume de treinamento:
8 – 10 exercícios resistidos dinâmicos (isotônicos) que envolvam grandes grupos musculares.
1 – 2 séries.
8 – 12 repetições máximas (repetição máxima é o número máximo de
vezes que uma carga pode ser levantada antes da fadiga concêntrica e com
execução correta da técnica do exercício)
Modalidade de treinamento: pesquisadores têm utilizado diferentes e
eficazes modos de treinamento de força para pessoas com EM – máquinas e
pesos livres (KASSER e MCCUBIN, 1996; WHITE et al, 2004), peso corporal
contra a ação da gravidade aliado ao uso de coletes com pesos (DEBOLT e
MCCUBBIN, 2004) e faixas elásticas com diferentes graduações (Theraband)
(ROMBERG et al, 2004).
Considerando as possibilidades de cada aluno, a progressão de um
treinamento para desenvolvimento de força em pessoas com EM pode sofrer
grande variação no seu planejamento e progressão. Pessoas com pouco ou
nenhum déficit muscular podem necessitar de modelos de periodização que
alterem a intensidade e volume de treino ao longo do tempo para otimizar
os ganhos de força. Em outros casos, a instalação precoce da fadiga
poderá implicar na realização de um volume reduzido de exercícios,
porém, configurando-se ainda como um estímulo suficiente para a
manutenção ou mesmo o desenvolvimento da força.
Como em alguns casos há redução na velocidade de resíntese de
fosfocreatina de pessoas com EM (KENT-BRAUN et al, 1994a), deve ser
permitido um maior tempo de recuperação entre séries e entre exercícios
que envolvam grupos musculares similares. Nesse sentido, o contato entre
o profissional responsável pela orientação do programa de exercícios e o
aluno será importante para a determinação do esforço e do tempo
adequado de recuperação.
Exercícios de flexibilidade
As orientações básicas do ACSM são de que exercícios de
flexibilidade sejam incorporados à rotina de exercícios e permitam o
desenvolvimento ou manutenção da amplitude de movimento articular. Os
exercícios deverão incluir os principais grupos musculares, com
freqüência de 2 a 3 vezes por semana (POLLOCK et al, 1998). Para pessoas
com espasticidade é recomendado o alongamento antes e após a sessão de
exercícios. O alongamento deve ser realizado de maneira lenta e
confortável, objetivando a redução do tônus muscular. Cada posição deve
ser mantida por 20-60 segundos para máximo benefício (WHITE e
DRESSENDORFER, 2004).
Lian Gong e Yoga
Uma outra possibilidade de exercícios físicos para pessoas com EM
são as atividades conhecidas como orientais ou alternativas. Dentre as
estudadas para pessoas com essa doença, destacam-se o Lian Gong e Yoga.
Tais práticas são caracterizadas por lenta movimentação e manutenção de
posturas pré-estabelecidas. Elas podem ser adaptadas conforme a
necessidade de cada aluno, através do apoio em cadeira, parede ou mesmo
pela realização das tarefas no solo. Dentre os benefícios, destacam-se a
sensação de relaxamento, descoberta de novas sensações corporais,
(USHIROBIRA, SIVIERO e TAVARES, 2005) e redução da fadiga (OKEN et al,
2005).
Orientações para a prática de exercícios físicos por pessoas com esclerose múltipla
Baseados em informações contidas nos diversos estudos divulgados
na literatura científica e em nossa experiência com a orientação de
exercícios físicos para pessoas com EM, exporemos, a seguir, alguns
pontos que consideramos relevantes para uma orientação, segura e eficaz,
de exercícios físicos para pessoas com EM:
Estabelecer contato com o médico do aluno a fim de obter informações
relevantes para a elaboração do programa de exercícios físicos.
Cuidados para controle da fadiga.
Elaborar o programa contemplando a alternância de períodos de esforço e descanso.
Preferir o horário do dia em que o aluno menos sinta os efeitos da fadiga.
Cuidados para evitar o aumento da temperatura corporal.
Algumas estratégias têm sido sugeridas, incluindo o uso de salas
climatizadas ou bem ventiladas, a adoção de práticas no período da
manhã, hidratação adequada (MULCARE et al 2001) e imersão do corpo em
água fria até a cintura, exceto em situação onde possa ocorrer
exacerbação da espasticidade (WHITE, WILSON e PETAJAN, 1997).
Cuidados com a espasticidade.
Evitar temperatura em meio aquático, inferior a 27º.
Evitar exercícios com alta velocidade de contração.
Estabelecer o programa de exercícios físicos conforme as preferências
do aluno e de acordo com suas capacidades. Em alguns casos, o aluno
pode não ser capaz de atingir e manter uma intensidade de esforço
suficiente para promover alterações no sistema aeróbio. Nesses casos, a
opção por exercícios de fortalecimento muscular pode ser a melhor
alternativa.
Facilitar o acesso a sanitários. Pessoas com EM freqüentemente apresentam urgência urinária.
Manter diálogo constante com o aluno. Esse hábito possibilitará ao
profissional o reconhecimento do impacto diário da fadiga e, assim,
facilitará o dimensionamento da carga e volume de cada sessão de treino.
Embora a prática de atividades em ambiente aquático seja indicada,
faz-se necessário evitar temperaturas inferiores a 27°, devido ao risco
de exacerbação da espasticidade, e superiores a 29°, pois algumas
pessoas apresentam sensibilidade ao calor, podendo ter aumento da fadiga
e presença de distúrbios oftalmológicos.
Evitar a prática de exercícios físicos em períodos de surto da
doença. Após a recuperação do aluno a atividade poderá ser reiniciada e
um novo programa deverá ser estabelecido.
O resultado de estudos publicados nos últimos anos tem apontado o
aspecto salutar da adoção de um estilo de vida ativo por pessoas com
EM. Desse modo, esperamos que a mudança do antigo paradigma de
conservação de energia facilite às pessoas com EM a exploração e
reconhecimento de suas capacidades e potencialidades, possibilitando a
melhora de aspectos de sua qualidade de vida e em seu desenvolvimento
pessoal. Finalmente, entendemos como fundamental que o profissional de
educação física esteja preparado para o desafio de conduzir propostas de
exercício físico para essa população, estando alicerçado pelo
conhecimento mais recente de sua área e atento aos novos avanços. (…)
* Mestrando – Atividade Física, Adaptação e Saúde (FEF/UNICAMP).
** Médica Fisiatra, Livre-Docente, Professora do Departamento de Estudos da
Atividade Física Adaptada (FEF/UNICAMP).
Fonte:
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital – Buenos Aires – Año 11 – N° 99 – Agosto de 2006