É notória a nossa impossibilidade de consumir apenas alimentos naturais. Este é um caminho sem volta, marcado pela intensa participação feminina no mercado de trabalho, onde a falta de tempo é a regra geral. Assim, todos os dias, incorporamos às refeições um novo produto industrializado, prático, barato e muito saboroso.
Sempre preparado longe das nossas cozinhas e com ingredientes descritos em rótulos com letras miúdas e de difícil compreensão. Realmente, precisamos nos entender com a indústria de alimentos e com seus rótulos nutricionais, uma vez que ela passou a produzir o nosso alimento diário.
Por conta da insegurança quanto ao que consumimos e devido a necessidade de saber o que pode nos fazer bem ou mal, temos alcançado, juntamente com os órgãos de vigilância sanitária, alguns avanços na legislação que obriga a indústria a informar com maior clareza e precisão vários ingredientes utilizados no preparo dos alimentos.
Assim, já sabemos quanto de sódio, gordura saturada e hidrogenada contém cada item que colocamos em nosso carrinho de compras. Entretanto, um ingrediente tem chamado a nossa atenção, nos últimos anos, pela pouca informação: o açúcar. Apesar da obrigatoriedade da discriminação do total de açúcar nos rótulos dos alimentos, não sabemos ainda que tipo de açúcar é esse.
Nos últimos 25 anos, a indústria de alimentos nos Estados Unidos tem alterado o tipo de açúcar utilizado na fabricação de seus produtos. O bom e velho açúcar refinado e cristal, proveniente da cana de açúcar ou da beterraba, perdeu seu espaço, cedeu lugar a um produto que a indústria chama de “xarope de milho rico em frutose”, cuja sigla em inglês – HFCS – é muito conhecida dos profissionais de Nutrição e dos engenheiros de alimentos.
Pois bem, esse xarope é mais barato, mais doce, mais solúvel nos alimentos e de mais fácil estocagem que o açúcar tradicional. Além disso, ele tem um poder adoçante maior do que do açúcar, podendo ser utilizado em quantidades proporcionalmente menores para alcançar um mesmo poder adoçante. Com todos esses atributos, é fácil compreender o porquê ele desbancou a sacarose em praticamente todos os segmentos dos alimentos industrializados na América do Norte.
No Brasil e na Europa, a sacarose, proveniente da cana de açúcar, ainda mantém seu espaço e continua sendo o açúcar preferencialmente utilizado pela indústria para adoçar seus alimentos, pois nesses locais, ele é mais barato do que a frutose.
A frutose, presente no xarope utilizado para adoçar os alimentos, é o mesmo açúcar encontrado nas frutas. Mas o fato preocupante é que a concentração desse açúcar é tão elevada na maioria dos produtos industrializados que é impossível não exceder às recomendações diárias de consumo dessa forma de carboidratos.
Nos Estados Unidos, o consumo médio de açúcar representa de 25 a 30% do total calórico ingerido diariamente, ultrapassando em muito os 7% recomendados para uma dieta saudável.
Quase todo esse açúcar é adicionado aos alimentos sob a forma de xarope de frutose. Atualmente, quase tudo que se fabrica em termos alimentares nos Estados Unidos tem lá sua parcela de xarope de milho rico em frutose. Os refrigerantes, pães, bolos, mufins, molhos como os de tomate, sucos de frutas e de soja, cervejas, iogurtes, cereais matinais e barras de cereais, tortas doces e sobremesas, hambúrgueres e até as sopas industrializadas.
Relação entre açúcar e obesidade
A coincidência do aumento dos casos de obesidade, principalmente entre crianças e adolescentes, nos Estados Unidos, com a opção da indústria de comercializar alimentos ricos em frutose, tem chamado a atenção de grande parte dos estudiosos de Nutrição para a possibilidade de causa e efeito entre eles.
Aparentemente, a frutose age no fígado aumentando a produção de gorduras chamadas triglicérides, que inunda esse órgão e chega em grande quantidade à corrente sanguínea.
Assim, consumir comidas e bebidas batizadas com HFCS equivale a comer uma refeição altamente gordurosa. Ao fazer isso, não apenas ingerimos mais calorias, como também armazenamos mais dessas calorias sob a forma de gorduras.
Isso também ocorre, sem dúvida, quando consumimos açúcar da cana e beterraba, em grandes quantidades, mas com o HFCS da indústria americana, as alterações no peso corporal têm sido muito mais intensas, provavelmente devido ao maior teor de frutose concentrada no xarope.
O problema em potencial é muito maior, os relatos dão conta de que esse tipo de açúcar poderia estar relacionado com a epidemia de esteatose hepática (fígado gorduroso) e diabetes relacionada a uma maior resistência à ação da insulina.
Isso poderia ocorrer pela ação específica desse tipo de açúcar utilizado no preparo dos alimentos, mas, com certeza, pode ocorrer também devido ao grande volume de açúcar, ingerido em idades a cada dia mais precoces, conferindo a essas crianças grande quantidade calórica de açúcares de absorção rápida.
Quando a indústria de alimentos desenvolveu a gordura trans ou hidrogenada, ela também era mais barata e mais prática, do ponto de vista de estocagem e durabilidade dos alimentos, conferia, ainda, uma aparência saudável aos alimentos e melhorava o seu sabor.
Este tipo de gordura também foi desenvolvido com a boa intenção de substituir a deletéria gordura saturada. Demorou muito para descobrirmos e convencermos os órgãos de vigilância sanitária e a própria indústria de que a gordura trans era muito mais perigosa do que a gordura saturada, sendo responsável pelo aumento considerável do risco cardiovascular de seus consumidores.
Agora, levanta-se a possibilidade de estarmos diante de um fato semelhante com os açúcares. Podemos estar ingerindo não apenas açúcar demais, mas açúcares do mau.
Quet tipo de açucar você consome?
Apesar da rotulagem dos alimentos vir melhorando muito nos últimos anos, é importante que se defina para os açúcares a mesma regra definida para as gorduras: os rótulos de todos os alimentos devem descrever quais açúcares foram utilizados no preparo dos mesmos.
Isso nos ajudará a entender melhor a relação entre o consumo de açúcar e as doenças crônicas no Brasil, que, a cada ano, alcançam pessoas de faixas etárias mais precoces. Com esta informação em mãos, poderíamos, inclusive, propor a redução do consumo de alimentos industrializados, principalmente por crianças.
Por: Dra. Ellen Simone Paiva e Dra. Amanda Epifânio, endocrinologista e nutricionista do Citen.
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