A influência do meio na epidemia da obesidade já é foco de estudo dos especialistas
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Saiba qual é a influência do trabalho, da violência, da indústria e dos amigos na obesidade
Cena 1: Depois de suar 5 quilômetros na esteira, terminar o treino pesado de musculação, a decisão é fazer uma pausa na lanchonete da academia. O local oferece coxinha, refrigerante, salgadinho e chocolate. A volta para casa é feita dentro do carro. A subida até o apartamento, de elevador.
Cena 2: Na hora do almoço, o esforço para preencher o prato só com salada e ignorar a sobremesa dá certo. À tarde, porém, a colega traz bolinho de chuva, torta de morango e café com leite. Por falta de tempo, um congelado é o cardápio do jantar. Por falta de segurança, o caminho até em casa, de apenas 3,5 quilômetros é feito de táxi.
Cena 3: Na lancheira da criança, a mãe coloca apenas frutas. Na escola, entretanto, a cantina só oferece frituras e doces, justamente a opção dos amiguinhos. O menino se rende aos alimentos dos colegas que, além de tudo, recheiam as propagandas da televisão. Não há parques próximos e nem opção de lazer. Durante toda tarde, o garoto joga videogame.
Todos os episódios descritos apresentam rotinas compostas por dieta gordurosa, mas também por outros elementos que favorecem a obesidade. Se o excesso de calorias sempre foi apontado como o principal gatilho dos quilos extras, os especialistas agora começam a pesquisar qual é o peso da violência, da tecnologia, da poluição, dos hábitos dos amigos no processo engordativo pelo qual passa a geração atual.
Controle remoto
O “ambiente obeso”, chamado na literatura científica de obesogênico, é personagem importante para a proliferação de doenças como diabetes, infarto, acidente vascular cerebral, acreditam os especialistas. O pano de fundo de todos esses problemas de saúde é a obesidade. Combatê-la, avalia o professor de nefrologia da Universidade Federal de São Paulo, Osvaldo Kohlmam Júnior, é também driblar algumas facilidades da vida moderna.
“As pessoas precisam descobrir como vão gastar as calorias agora não mais queimadas com o advento do controle remoto e da escada rolante, por exemplo”, afirma o professor.
“Ninguém mais senta e levanta para mudar o canal da televisão ou sobe um único degrau. O padrão alimentar, entretanto, ou ainda é o mesmo ou está muito mais calórico do que nos tempos sem esses adventos tecnológicos.”Além das tecnologias – incluindo computador, celular, elevador e tudo aquilo que não se imagina mais viver sem – a professora de cardiologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Andréa Araújo Brandão aponta outras características do ambiente obeso.
“A comparação das imagens das porções de batata-frita, do tamanho do hambúrguer e do copo de refrigerante dos anos 70 e de atualmente mostra que hoje elas são quase duas vezes maiores”, afirma a médica.
Além da comida
Para os especialistas, não só os recursos que incentivam menos movimentos com o corpo e doses mais exageradas de alimentos compõem o “ambiente obeso”. A violência que desestimula uma caminhada no retorno para casa, a poluição que não permite as atividades físicas em certos horários – por vezes os únicos disponíveis – também contribuem para o sedentarismo e a consequente obesidade.
Um estudo mundial envolvendo mais de 150 mil pessoas avalia há cinco anos os impactos do ambiente na saúde cardíaca. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Cardiologia acompanha mais de 6,5 mil voluntários, entre 35 e 70 anos, moradores de cidades de diferentes perfis (Angatuba, Campina do Monte Alegre, Guareí, São Paulo e ABC paulista).
Foram aplicados questionários sobre hábitos alimentares, feitos exames anuais e mapeados exercícios físicos praticados tanto no tempo livre quanto no horário do expediente. Ainda serão mais cinco anos para os resultados serem apresentados. Os dados vão mostrar como o cotidiano de cada município pode ter interferido em obesidade, diabetes e outras doenças do sistema cardiovascular.
Amigos e referência
O ambiente obeso também é formado por amigos, referências e padrões culturais. Um estudo que ilustra bem este fenômeno foi feito pela Phillips, em uma enquete mundial sobre bem-estar. Foi questionado sobre a autopercepção e o país que menos se considera obeso é justamente o campeão de obesidade, os Estados Unidos.
Entre os norte-americanos, 35% declaram estar acima do peso, quando os números oficiais apontam que ao menos 60% estão nesta situação. O maior número de “gordinhos” compromete a visão pessoal sobre a imagem, os riscos de estar nesta condição e posterga os planos de rever a dieta.
As máquinas de salgadinho e de refrigerante no corredor da empresa, a colega que prepara quitutes hipercalóricos diariamente, a falta de opções de alimentos de qualidade nutricional nos restaurantes por quilo (local em que 47% da população brasileira diz almoçar segundo pesquisa da Fiesp) são mais características do meio ambiente que contribui para obesidade.
A nutricionista responsável pela Liga contra o Diabetes do Hospital das Clínicas, Ana Maria Lottemberg, acrescenta ainda as questões culturais. “Atendemos muitas meninas que poderiam emagrecer bastante só cortando pela metade o número de caipirinhas que bebem na balada”, afirma.
Mudança
Saber quanto a sua casa, trabalho e bairro influenciam nos números que aparecem na balança não deve servir de desculpa para tornar a obesidade um mal inevitável. “A orientação é as pessoas saberem como adequar o padrão alimentar aos novos hábitos de vida”, diz o professor da Unifesp Osvaldo Kohlmam. Sobre a falta de tempo, os sete mil cardiologistas que estão reunidos no Congresso Brasileiro de Cardiologia afirmam que, depois do infarto, é impressionante como as pessoas conseguem 30 minutos para mexer o corpo.
Fonte: Fernanda Aranda, iG São Paulo